Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor de arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação como todo o tempo já vivido
(mal vivido ou talvez sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser,
novo até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?).
Não precisa fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar de arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto da esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um ano-novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.
CDA ou Carlos Drummond de Andrade – Projeto Releituras
Texto extraído do “Jornal do Brasil”, dezembro/1997.
Glossário:
Remendar: fazer remendos em; consertar. Figurado: misturar coisas heterogêneas ou estranhas.
Birita: bebida alcoólica, em especial aguardente de cana.
Gaveta: cada uma das caixas corrediças que se encaixam nos móveis e servem para guardar objetos.
Parvamente: de forma parva, tola, boba.
Augusto: majestoso, nobre.
Cochilar: neste caso significa dormitar, dormir pouco tempo ou com um sono leve. Também tem o sentido de cabecear com sono.
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