“O que é ser…” é um bate-papo informal, imaginando-nos na mesa da cozinha aqui de casa, enquanto tomamos uma caipirinha, feita sem pressa, escutando os pássaros da Casa de Campo de Madrid, cantando ao fundo…
“O que é ser…” são demonstrações das paixões que cada um tem, profissão ou não. São declarações. São intenções. São vidas de pessoas que falam português. São presentes, para nós, leitores. Cada um contando o que é ser o que se é.
Dando abertura à nossa nova seção de convidados, vamos bater um papo informal com a Laureana Geraldes, fadista, cantora, professora, comunicadora de sentimentos através da música. Laureana é portuguesa de Castelo Branco, apaixonada por Lisboa, Madrid e todos os lugares do mundo onde houver alguém apaixonado pela vida, como ela.
Conte em breves linhas a quem não conhece, o que é ser fadista.
Ser é sentir e ter plena consciência do que se é.
E eu sou o que sinto.
Ser fadista é entregar-se de corpo de alma cantando a saudade convertida em melodias acompanhada com o gemer das cordas da guitarra.
É poder cantar e contar histórias marcantes intensas desta e de outras vidas. Que fado é o meu fado!!
Como e quando você começou a cantar fados?
A minha paixão pela música começou desde pequenina, segundo os meus pais e familiares próximos, com 2 anos nas festas ficava ao pés dos palcos dos artistas e dançava a noite toda, se estive a dançar não tinha sono.
Com 8 anos pedi aos meus pais que me comprassem uma guitarra e tive aulas, entretanto a professora pediu-me para cantar e convidou-me a interpretar aquele que foi o meu primeiro fado “A menina das tranças pretas”. Foi uma emoção e era bastante envergonhada mas era uma sensação que gostava.
Sempre estive ligada ao mundo artístico de uma forma ou de outra passei pelo teatro, dança, dei aulas de dança , cantei e dancei em ranchos, fiz parte de um grupo de música popular portuguesa e de um grupo com amigos onde cantava músicas mais do género, pop, rock inglês e português.
Com 18 anos as pessoas pediram-me para voltar a cantar um fado, aceitei o convite, hesitando um pouco, porque acho que não estava totalmente segura, foi realmente uma noite intimista e repleta de sentimento, nesse dia senti que se calhar até tinha jeito para a coisa. Mais tarde recebi um convite para cantar num teatro em Espanha e nesse mesmo ano emigrei para Madrid. Desde então canto todos os fins de semana e sou feliz a cantar fado. Cantei muitos estilos mas é neste, no Fado que me sinto completa e feliz.
Como é vista a sua profissão em Portugal? E fora dele?
O Fado é muito bem visto em Espanha e em França que são os dois países, fora de Portugal onde tive oportunidade de cantar. Estou profundamente agradecida ao público espanhol, porque é um público atento, seguidor, fiel e simpático. É realmente gratificante e emocionante cantar aqui todos os fins de semana e ver esse brilhozinho nos olhos das pessoas como se uma nuvem as teletransportasse às ruas dos bairros de Lisboa.
O que você recomenda aos que estão começando?
O Fado está em expansão desde a sua proclamação como património imaterial da humanidade pela Unesco. Mas o Fado sempre fez referência à voz mais genuína do povo português. O meu conselho é acreditarem naquilo que fazem, colocando sentimento nas palavras, dando alma às melodias e que juntamente com isso seja intenso. Seja um fado triste ou alegre, se não for intenso, não é fado fado,o importante é que a mensagem chegue e toque no coração das pessoas.
Bate-bola
O melhor da profissão:
Os sorrisos, os olhares, o conseguir abraçar as palavras sem tocar e sem dúvida que é uma alegria enorme poder desfrutar disto cantando na língua de Camões mesmo quando a maior parte do público não entende exatamente o que estou a cantar.
Em suma, é bonito ver que entendem que a linguagem daquilo que faço e transmito se entende. A música tem esse poder é uma linguagem universal não tem língua é regida de sentimentos e movida por palavras e histórias vividas por mim ou por alguém.
E claro… os aplausos o artista gosta e precisa disso, né?
E o pior:
O pior é chegar a casa e passar de ter tudo, o que referi anteriormente sem esquecer o calor e o carinho das pessoas e de repente sentir aquele silêncio.
Acho que o custa mais é baixar o nível de adrenalina. Talvez seja um pouco exagerado mas é como passar de ter tudo e a não ter nada.
Um gênio na matéria / fonte de inspiração:
Amália Rodrigues a que marcou todas as gerações do fado, mas depois há muitos outros nomes como Alfredo Marceneiro, Argentina Santos, Lucília do Carmo, Carlos do Carmo, etc.
Estes considero-os a base, ouvimos coisas atualmente mas sempre é importante ouvir a versão, voltar à base.
Atualmente Portugal está muito bem representado por fadistas que também me inspiram, como Ana Moura, Kátia Guerreiro, Marco Rodrigues, Carminho, entre outros. Sou uma pessoa aberta a ouvir tudo acho que só assim conseguimos discernir o bom do razoável até ao mau.
E depois os fadistas da escrita, como lhe costumo chamar, refiro-me aos grandes poetas como Fernando Pessoa, Camões, Florbela Espanca, Manuel Alegre, entre tantos outros.
E sobretudo aos poetas que me incentivaram a arriscar… os meus pais.
Todos eles são importantes de uma maneira ou de outra inspirando-me de maneiras diferentes.
O que sua profissão não é:
A minha profissão (ainda) não é a minha profissão principal.
Não é falsa.
Não é forçada.
Uma virtude para exercer a sua profissão:
Verdade.
Muito obrigada, Laureana! Um prazer contar contigo no nosso blog. Sucesso sempre e um beijo grande!
(O texto foi escrito com português variante de Portugal.)
Laureana
Cris, muito obrigada pela oportunidade de me expressar sobre aquilo que mais gosto de fazer.
Adorei a secção e espero que o blog continue a ser uma referência para todos os que o lêem e os que ainda nao tiveram oportunidadade de desfrutar com o que escreves e a forma bonita como o fazes. beijooo
Cristina Pacino
Sempre bem-vinda! Um prazer ouvir as pessoas falarem de si e de suas paixões!
Muito agradecida sempre a ti, Laure, juntos fazemos essa comunidade de gente que se “bem entende” através da cultura dos países que falam português.
Beijo grande!